domingo, 7 de junho de 2009

Sábado? Vou ali, até Castro! E de bicicleta...

Ainda não eram 4h quando acordei para beber água; 3h53, para dizer a verdade, e os últimos 7 minutos que tinha de sono passei de olhos fechados e coração já palpitando. Chegara o dia combinado, e a hora de se preparar.

O despertador finalmente tocou e tudo já estava basicamente pronto: a bike estava dentro de casa e já havia prendido todos os penduricalhos necessários nela. Três coisas arguardavam na geladeira: quatro sanduíches, 750ml de isotônico e 2l de água (do Camelbak). Tomei um banho quente, vesti minha roupa térmica, tomei um café da manhã relativamente reforçado (comer às 4h30 não é exatamente confortável) e prendi a mochila que faltava no bagageiro da bicicleta (bagageiro que havia comprado especialmente para a viagem). Meu pai acordou, e lá fomos para o ponto de encontro.


Chegamos lá e comecei a conhecer o pessoal. Nomes? Esqueça. À exceção dos que já conhecia, só lembro do nome de um outro. Para não ofender ninguém, não vou citar nenhum :) De qualquer forma, estava todos lá com o mesmo objetivo: passar frio, fome, cansaço, reclamar das subidas e quase serem atropelados por carros na contra-mão nos trechos de descida......... Ops, desculpe; estes foram os pontos divertidos. O objetivo mesmo era chegar em Castro/PR, há exatos 125km de Curitiba pela estrada do Cerne. E pensa numa estrada...

A saída foi congelante. Com 15 minutos de atraso nos encontramos, e eram exatas 6 horas da manhã do dia 6 de junho, um sábado de céu limpo no qual a lua parecia ter sido delicadamente pintada, quando saímos de Santa Felicidade rumo ao nosso destino. E com frio, muito frio...

Subestimei o frio ao colocar apenas uma blusa por cima da lycra, e também ao usar uma luva fina - apesar de ser a única que tinha. Quando pegamos as descidas do começo da estrada, ainda no asfalto, eu sentia meus ossos congelarem - literalmente. Doía mais do que bater a cabeça na parede, mas continuamos com ânimo pois o sol já nasceria.

A estrada do Cerne, para quem não conhece, é um destes projetos magníficos do nosso governador Roberto Requião, o qual está realmente engajado na missão de cortar o pedágio do Paraná. Por isso, ele está asfaltando aquele fim de mundo, ao invés de investir na educação e na saúde das pessoas. Mas bom... naquela hora, até que o asfalto dele fez bem :)



Seguimos por asfalto até o município de Bateias, onde foi nossa primeira parada. Chegar até lá foi rápido, talvez devido ao grande número de descidas que tivemos. Já estava claro mas o sol não havia nascido ainda, e paramos para tomar café logo abaixo da placa que indicava Ouro Fino para um lado e o Cerne para outro.

Durante o café, com a mandíbula (con)gelada, mordi o lábio de baixo. A dor foi novamente magnífica, mas o mais engraçado é que realmente sangrou - a ponto de eu ver sangue no sanduíche. Eu sei que é nojento (e peço desculpas!), mas é também uma boa referência pra indicar o nível do frio: você perde a noção se as coisas realmente machucaram ou se só estão doendo de frio. Nesta hora, minhas mãos não fechavam (dedos gelados) e meus pés doíam. Mas o ânimo estava a toda!! Eram cerca de 7h...

Muito importante neste tipo de "aventura" é não deixar o corpo perceber que ele está sendo mal-tratado. Isso se consegue de três formas: a primeira é treinando mesmo, afinal, um corpo treinado agüenta mais o tranco. A segunda é um lema bem conhecido entre os atletas: "comer antes de ter fome, beber antes de ter sede". Fome e sede são duas sensações de pânico do nosso corpo, e esperá-los chegar é como deixar que o combustível acabe antes de abastecer: demorará muito mais para retomar viagem, pois o corpo precisará retomar o ponto de "alta" antes de te dar o gás novamente. E o terceiro, e talvez mais importante, é manter o psicológico em cima. O corpo não é nada sem a cabeça, afinal de contas...

Com o café tomado, seguimos e logo o asfalto acabou. O sol já tinha nascido, mas como estávamos abaixo do relevo, as primeiras horas com sol serviram apenas para nos esfriar mais ainda. Os vales estavam fabulosos com a névoa abaixo de nosso nível, mas pedalávamos ainda congelados, e agora sem asfalto. Nosso próximo ponto de encontro oficial era o trevo que saía para Ponta Grossa - "e nós deveríamos pegar a outra direção". Isotônico a postos, gel de carboidrato com fácil acesso e lá fomos nós!


A estrada, mesmo de cascalho, estava numa condição muito boa. Achei que seria mesmo mais acidentado o terreno, e isso era o que me preocupava. Mas estava tão boa que, nas descidas, chegamos a passar dos 50km/h - e "com segurança"! Bom, ou ao menos parecia seguro...

Ponto curioso: no pedal inteiro, vi apenas uma placa de sinalização de quilometragem - mas vi! Era igual às da BR que estamos acostumados, e indicava o "km 49". O que ela estava realmente fazendo lá, no meio do nada? Ora, sinalizando o quilômetro 49! :)

Um ponto tenso do passeio foi uma descida mais forte em que abrimos para a contra-mão na curva. Com velocidade e cascalho solto no chão, há um limite para fazer uma curva com segurança - sem cair. E o limite era maior do que o raio da curva, fazendo com que todos nós passássemos para a esquerda da pista. O que ninguém contava - mas que deveria ser óbvio - é que uma Courier prateada estava vindo na direção oposta! O motorista se desesperou, mas desviou o quanto conseguiu, e nós também - é claro. Qualquer movimento diferente de um dos dois lados teria terminado num fim de brincadeira meio trágico. Ufa! Susto passado (eu fui um dos que mais assustou hehe), vamos pra frente que a descida ainda não acabou!!

Triste do Cerne é que sempre, sempre, depois de uma descida tem um rio. É triste porque você entende a descida: você estava no alto de um morro; a água passa por baixo desse morro; você desce até esse nível mas, passando-o, tem outro morro! Afinal, a água passa por baixo deste outro morro. Não é que isso seja uma regra, mas nesta estrada era - e isso aconteceu três vezes. Na última vez, pedalamos por 2.5km sem sequer um trecho plano ou de descida. Só subindo, na marcha mais leve na qual era possível pedalar...


Pedalei por muito tempo sozinho também, e foi ótimo para a cabeça. Por mais que estivéssemos num grupo grande (12 pessoas), e por mais que os 12 pedalassem no mesmo ritmo (um era mais forte, mas acompanhou o grupo), o grupo se dividia por diversas vezes - hora por intenção, hora não. Uma das bikes, por exemplo, teve o pneu furado três vezes. E hoje, quando fui buscar a minha bike (todas voltaram juntas), vi que o pneu dele continuava furado. Este sofreu...

Mas bem. Algumas montanhas russas depois, chegamos num vilarejo chamado Abapã. Aliás, vilarejo não: uma verdadeira cidade! Foi o primeiro sinal de organização que vimos, desde Bateias. Aqui tinha posto de gasolina, mercearia, uma lanchonete com capacidade pra umas 30 pessoas e até a rua principal tinha nome: Avenida Rio de Janeiro. Detalhe que não haviam números nas casas - mas isso, concluí, seria pedir demais. Ter placas de ruas já era demais!!

Em Abapã fizemos nossa última parada oficial, e nesta lanchonete pudemos medir a febre de todos - que estava super boa! A galera ainda estava animada, 100km depois do início... O Rodrigo Stulzer (http://transpirando.com), que me convidou para este pedal, fez um vídeo nesta hora. Quando sair, ele aparece por aqui.

Esta hora foi feliz pois marcava o início real dos Campos Gerais, e aqui - teoricamente - as subidas teriam acabado. Teoricamente... Na prática, tivemos mais cerca de 3km de subidas leves, mas que serviram pra judiar mais um pouco.


Depois de Abapã as paisagens tornaram-se belíssimas. A lua nasceu e, enquanto pedalávamos no sentido do sol poente, podíamos ver a lua cheia saindo de trás de paisagens dignas de filmes e fundos de tela. É pena que eu não tenha levado qualquer máquina fotográfica (fiquei preocupado), mas quatro de nós levaram e as fotos também aparecerão em breve no meu orkut, ou mesmo por aqui!

E, de repente, bem de repente, estava lá. Avistamos Castro, e a alegria deu o gás faltante para os últimos 4km de pedal antes do asfalto. Daqui pra frente, lembro que só queria manter os 25km/h que pedalávamos, não importava se estávamos subindo ou estávamos no plano... Castro estava ali, e eu queria chegar antes do sol de por completamente. Por quê? Pelo frio, é claro! Já dava para sentir ele vindo...

Chegamos no asfalto poucos minutos depois, e ali paramos para agrupar novamente. A visão do asfalto foi outra fantástica, e encheu minha alma de alegria novamente. Nós havíamos conseguido! Tínhamos pedalado o Cerne e lá estávamos!

Com todo mundo junto, tocamos rumo a Castro. No meio da cidade, uma última subida antes de chegarmos na praça - ponto de encontro, e enfim chegamos. E corri pro abraço, literalmente, cumprimentando cada um dos companheiros, colegas e parceiros que lutaram junto contra os 125km. A sensação foi maravilhosa, e a companhia não podia ter sido melhor.



E agora, com 12 horas de sono e algumas mil calorias já repostas, estou aqui curtindo algumas dores musculares - como pescoço e punhos. De fato não há como descrever certas sensações que sentimos na vida. Olhando de fora, fomos sem dúvida alguma taxados de loucos por muitos que passaram por nós, ou pelos quais passamos. Não importa. Se ser louco significa sentir tamanha alegria, então eu quero é ser muito louco!! Abraços, e ponto.

PS.: Neste pedal, pedalaram: http://transpirando.com ; http://pedaleiro.com.br ; http://odois.org . Fotos, vídeos e relatos poderão ser vistos lá também!

Créditos das Fotos: Rafael Gassner; álbum completo no site http://rgg.homelinux.com:8080/coppermine/thumbnails.php?album=1442

3 comentários:

  1. Oi Henrique!

    Show de bola o relato. Começou bem o blog!!

    Abraços!
    Rodrigo Stulzer
    transpirando.com

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  2. Parabéns pelo artigo, Henrique. Valeu a companhia e o pedal, vamos para o próximo!

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  3. as obras de asfaltamento tiveram início em mais um trecho da estrada do cerne, vejam as fotos no link abaixo: http://julianocso.blogspot.com/2010/08/estrada-do-cerne-pr-090.html

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