quarta-feira, 25 de agosto de 2010

Bate-papo

- E esse gato aí, não pula? - indaguei animado.
- Nãão, ele tá bem preso! E tem um cachorro também, mas o cachorro não veio hoje!
- Um cachorro?
- É, são um casal!
- ...
- Da onde você tá vindo?
- Ah, fui até o Hugo Lange, daí fui até o trilho do trem, passei pelo Bom Jesus do Lourdes e agora to voltando! E você?
- Eu fui no dentista arruma os dentes! - e abriu um sorriso sem riso. Tive um acidente! Abri a porta do carro do meu amigo e outro amigo nos atropelou! Eu e a porta! Daí quebrou tudo aqui na frente...
- Caramba! Mas agora tá tudo normal!
- Pois é, dentista muito bom! Arrumou tudo aqui na frente, e ele falou que o último passo vai ser uma limpeza geral. E essa ele vai fazer todo ano!
- É, tem que cuidar do sorriso, certo?! - indagava eu, ainda extasiado por conhecer aquela figura ímpar das canaletas do expresso em Curitiba.
- Opa, com certeza! E o dentista é muito bom...
- DAÍÍ, CACHORRÃO! - gritou um ciclista na direção contrária.
- DAÍEIEIEAUIOEU ldn 22@#23kfnAAAA AAH! sklnf slkfanf a - respondeu ele em tom animado, e continuou a falar comigo - o pessoal sempre mexe comigo, estão me conhecendo né...
- Pô, mas você é uma figura famosa! - eu respondi animado. - Já deve ser a quarta vez que te vejo por aí; esses dias te vi até lá no Cabral enquanto pedalava. Por falar nisso, como é o nome da sua gata?
- Aekldn.
- A o quê?
- Astra!
- Ahh, bonito... E o seu nome?
- José, mas o pessoal me chama de cachorrão por aí...
- Mas pois é... o pessoal me conhece... e graças à Deus que eu não fiquei assim. - ele apontou para um mendigo. Graças a Deus eu to aqui, feliz, saudável, e sem pedir dinheiro por aí!
- É, mas eles não estão assim só por vontade de Deus, certo?!
- Eeu acredito nisso mesmo! O que você é? Católico? Porque eu sou espírita!
- Não, sou ateísta!
- O que é isso?
- Descrente, sabe?! Mas eu respeito você acreditar, e confiar, e rezar, e ser feliz assim...
- Pois sabe que eu não acredito em bíblia? Acho uma baboseira! Mas sou espírita, minha mãe também era...
- Opa, eu viro ali!
- Aqui? Ah, então eu também vou virar!
- Legal! Mas só ando mais uma quadra!
- Por quê? Onde você mora?
- Morar? Lá no Portão. Mas eu trabalho aqui.
- Tá, mas como que você vai chegar ali? Trabalhar agora?
- Não! Tem chuveiro na empresa! Vou tomar um banho e vou pra faculdade!
- Ooooo loco! Onde é mesmo?
- Aqui, nesse prédio branco!
- E o patrão deixa você fazer isso?

Eu dei risada daquela conversa completamente descompromissada e gostosa...

- O "patrão" sou eu! - eu disse, e soltei nova risada.
- Oooooo loco, oh o cara, oh! hahaaa!! Que massa!

E demos risada, e eu entrei no prédio acenando para o "Cachorrão". Encontrar uma pessoa como ele no final do treino foi algo muito legal. "Como ele" no sentido de pessoa de bem, pra frente, feliz.

De certa forma, eu o admirava pela irreverência do gato desesperado em cima da almofada vermelha atrás da sua bicicleta. Agora, o admirava pela pessoa que ele era. É um cara são, consciente, e acima de tudo feliz. Ele não perguntou meu nome, eu também não disse. Ele não lembraria de mim. O papo foi como se eu encontrasse alguém muito famoso.

O Zé jamais vai lembrar que tivemos esta conversa. Mas eu vou fazer questão de mantê-la registrada, para que não caia no esquecimento. O mundo podia, mesmo, usar de um pouco daquela vontade de ser feliz. Abraços, e ponto.

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